sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Nada se perde

Doia-lhe a cabeça e
os olhos.
A chuva inundou o quarto
e encharcou-lhe a cara. Água salgada.
No chão, bacias, baldes e panos,
deixadas na madrugada que roubou-lhe
uma telha e o sono. De tudo, restou-lhe uma voz mais
rouca, que ela aproveitou
para cantar
I'm sailing.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Via bruta

Há muitos pobres sobrando, na estrada da sobral.
Um foi-se embora mais cedo, em meio à nuvem vermelha.
Uma permanece no hospital em estado grave.
Dois permanecem no asfalto,
entre vidros e ferros e outros pobres.
Outro fugiu sem dar assistência.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Ide

As vezes a dor é tanta, que
não há espaço para o perdão,
só o esquecimento.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Gratia

Ali, com a lama a lamber-lhe o queixo,
e frio e azedume e solidão, deus era seu amigo,
sua única companhia.
Não havia água nem comida.
Depois, quando a lama passou e havia água e pão
e roupa seca, deus foi embora.
Não precisava mais dele.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Feriado

Quando quiser, sorri

com os olhos, nem que seja.

As coisas cheias de humanas presenças,

seus medos e sandices,

não me importam.

O que fica de nós, dentro de séculos,

Se não a lembrança dos mortos,

sua incompleta memória,

e um não-ser qualquer?

Quando quiser, pega a minha mão.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Solo

Quando o anjo negro beija-me a testa,
a poesia abandona os meus olhos.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O choro das crianças,
o peixe a grelhar,
a roupa suja.
O sabão acabou,
o açúcar sobre a mesa
tenho que limpar.
As fotos espalhadas,
os livros para por na caixa,
dar as roupas velhas,
dobrar as mantas,
esticar a toalha da mesa.
telefonar para a mãe,
procurar uma casa.
Tudo consome e moe
o tempo, as miudezas
em sua grandeza.