segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Dez horas

O Rio Acre estava cheio e caía uma chuva fina. Ela pôs um lenço na cabeça e uma toalha nas costas e sentou um tanto encolhida sobre os joelhos. Tinha seis anos. Os barrancos passavam lentamente, ao som da batida monótona do velho motor do batelão. Bate assim o coração do rio. O tio ia à atrás, manejando o longo cabo que orientava o barco naquele caminho corrente, a desviar dos balseiros que se avizinhavam. Era perigoso, se o barco batesse em algum, podia virar. Os peixes pululavam aqui e ali. E um saltou dentro do barco, bem perto dela. - Cuidado, é um peixe cachorra, se te pega o dedo!… Tinha uns dentes compridos e finos. Arrepiou-se ao pensar na mordida daquilo. Já tinha levado uma mordida de candirú e não era nada agradável. O tio prendeu o cabo com uma corda fina e foi até lá, pegou o peixe, jogou de volta à água e retornou ao motor… Ia para a casa da avó, passar as férias da escola. O coração cheio daquilo que via, barrancos e árvores que acenavam à sua passagem e aquele rio de águas confusas e seus remoinhos. Tremia de frio. À noite é mais. Esperava não ter que dormir numa rede. – Vam’bora neguinha, tamo chegando!... Fez uma curva grande e aproximou o batelão da margem. Olhou para cima e viu os irmãos descalços a deslizar o barranco abaixo, para ajudar com as mercadorias que o tio trazia. Sorriu. A casa da avó, duas vezes a casa da mãe. Esperou o tio espetar o cabo de ferro com a corda do barco à margem, pegou na mão estendida e saltou para a terra, com uma sacola na mão. Subiu o barranco com dificuldade, correu para a escada saltando os degraus com pressa. De um pulo, pendurou-se na grande balança que havia na parede da sala. Não entendia nada daqueles ponteiros, era só para vê-los mexer. Foi para o quarto da avó, tomou-lhe a bênção e deu-lhe um beijo no rosto e na mão.
- Deus te dê saúde.. Fez boa viagem?
- Sim… Largou a sacola do lado da cama.
- E tua mãe e teu pai, tão bem?
- Sim, tão tudo bem…
Foi até a cozinha. Subiu num banquinho, para poder olhar pelo jirau. Em baixo, o pé de limas e os pupuaçus. Atrás, a floresta toda a balançar. Obrigada.

3 comentários:

  1. Olá, Ana! Tudo bem?

    Teu comentário sobre a pintura não chegou. Veja quanta desinformação minha: eu não sabia que havia aqui uma artista plástica indígena. E olha que qualidade!

    Sobre a rede de sites, a idéia é levantar os acreanos que vivem fora e que tenham sites ou blogs e juntá-los na rede.

    Eu saí de casa aos 15 anos. Sei o quanto é sofrido ficar longe dos pais, dos irmãos, dos amigos. Acho que vai ser bom juntar todo mundo.

    Vou ficar fora uns 15 dias (sem internet), pois vou visitar rios e aldeias indígenas de Tarauacá e Jordão. Quando voltar, gostaria de conversar com você sobre o meu livro O SANTO DE DEUS.

    Tenho vontade de conhecer a Europa, mas tenho medo de encarar 11 horas de avião sobre o Atlântico.

    Um abraço,

    Moisés Diniz

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  2. Ah! Queria ouvir a tua opinião sobre essa tragédia de Sena Madureira. Isso mexeu comigo!

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  3. Olá! Tudo em paz na terra de nossos pais?

    Você já viu como está a repercussão daquele meu diálogo lá no blog do Altino? Você não imagina como isso tem me feito refletir.

    Essa minha viagem vai ser fundamental para que eu reorganize os meus conceitos e os meus sentimentos sobre o assunto.

    Abraços,

    Moisés Diniz

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