quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Andante
A procissão seguia pela avenida. Tanta gente, a passo e compasso, tanta gente. Há coisas estranhas, numa procissão. A mulher que leva as crianças vestidas de anjinhos, o homem que vai de joelhos, a menina com o tijolo na cabeça… atravessados de agradecimento e temores e esperas. Ela ia à procissão, levando os quatro filhos. Em honra de Nossa Senhora. Olhou em volta, com amor e pena. Da mesma gente gado, num lento caminhar entre sombras e luzes e risos e choros. Cada um sabe o que arrasta por dentro. Da mesma manada somos. A procissão fazia isso por ela, ajudava a sentir que era de alguém. Uma manada e seu pastor. Ali, se despreocupava do mundo e suas agonias, porque Outro tomava conta. Podia só andar, andar e andar. Aprendera o terço muito cedo e o rezava todos os dias dos santos. Repetir era um jeito de não esquecer. Tirou a água da sacola que levava ao lado e deu aos filhos e ao marido. Tomou um gole e guardou a garrafa. …no céu, no céu, com minha mãe estarei…Tinha fé e assim era. Mas tinha medo de morrer. Queria um céu sem morte. Ver o pai, o irmão que cedo se foi, os avós. O que a gente vem fazer nesse mundo? Olhar a morte nos olhos…e sobreviver, humanamente, ao seu medo. A visão real de si mesmo no segundo definitivo. Segurou mais forte a mão do filho mais velho, aconchegou mais o pequeno ao colo. No silêncio, os mistérios dolorosos.
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