sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Sete horas

Acordou de um salto. Lavou o rosto no jirau, penteou o cabelo cacheado e amarrou todo num rabo de cavalo. A mãe acabara de preparar o pão de milho e deixara um pedaço, junto com um pouco de leite de castanha, num prato de esmalte. Iria comer depressa porque ele já devia estar voltando da estrada de seringa. Sentou-se no chão, o prato entre as pernas pequeninas. À porta, o cachorro enrodilhado, também esperava. Calçou as sandálias de couro. Ela e o cachorro a fazer a espera fiel. Tinha cinco anos. Os irmãos, alguns tinham ido com ele para o corte. Outros, começaram cedo na casa de farinha. A mãe estava na cozinha, a sangrar um pato.
De longe, ela o viu, o chapéu, as botinas, a sacola a tira-colo. Entregou tudo aos filhos mais velhos e avançou para porta da cozinha, que fazia ligação independente com o terreiro. Pegou-a, rodou por debaixo de um braço para o outro e a pôs no chão novamente.
Ele entrou, comeu o pão de milho com ovos fritos, uma caneca de café. Levantou, desceu as escadas e disse: vam'bora curica! Ela, de um salto, desceu ao mundo. Era costume o pai leva-la até o rio para ver o que o espinhal havia pego. Matrinchãs, mandis, traíras, pacus, de tudo um pouco. O cachorro também entendeu o chamado e ergueu-se como se nunca sono algum. E ganiu. O pai parou de repente. Olhou o cachorro, os quartos arreados ao chão. Ladrou novamente, as orelhas caídas, olhar medroso. Enrolou-se aos pés do pai. Ela não entendeu, olhou para o pai, medo do que não via, pena do que via. Não te mexe, curica, fica quieta... Ela, o pai e a paralisia da espera, a olhar o cachorro apanhar e gemer e ganir e a urinar no pó. Mau caçador, a pagar suas penas. As coisas da mata, as vezes saem dos conhecidos quintais. Entendeu: Caboclinhos!

3 comentários:

  1. quero é completar as 24 horas. depois, os minutos de entremeio. mais adiante, segundos, décimos de segundo, a nunca acabar sua escrita. mesmo no incompreensível da vida no sul deste país, seu texto é mesmo muito bonito. como você.
    bj.

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  2. Parece romancista de longas datas. A gente viaja no teu texto. Muito bom!!

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  3. Pois, vou tentando. Exercitando escritas, lembrando coisas. bjs Marisa e Vê, muito, muito obrigado...

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