quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Uma hora

Levanta da cama, suada. Teve um pesadelo, com água a invadir a canoa, a perder vidas, bananas e sacos de farinha. Não sabia nadar, o que era meio triste para quem viveu a vida toda guiada por rios e garapés e lagos. Tinha medo do que aquelas águas barrentas escondem. Foi até ao pote, pegou um caneco encheu com água e tomou lentamente, os olhos presos à luz da lamparina e seu fio negro.
Foi até aos meninos e olhou rede por rede, a fechar mosquiteiros e puxar lençóis. Olhou a cama das meninas. Dormiam todas, a vida calma entre lençóis de chita.
Pegou o terço, a bíblia e pôs-se a desfiar orações. Não tinha medo do escuro, nem de assombrações, tinha fé inabalável nos santos e na virgem. Lá fora, as rãs gemiam alto e o barulho dos grilos entravam pela janela a dentro.
Pensou no marido, longe. Um sonho daqueles não era bom presságio, o que podia ser?
Não houve missa em homenagem ao pai que já foi. Cinco anos. Este ano não acendeu velas. Passou em escuro, os anos de saudade. Ó meu pai, perdoa o meu bruto cansaço, e esse esquecimento. A noite é escura, mas é em claro o meu coração…
Encostou ao peito a folhinha com a imagem de Nossa Senhora das Dores, fechou os olhos e pensou que não havia de ser nada. Adormeceu assim, entre medos e esperanças.

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