O Rio Acre estava cheio e caía uma chuva fina. Ela pôs um lenço na cabeça e uma toalha nas costas e sentou um tanto encolhida sobre os joelhos. Tinha seis anos. Os barrancos passavam lentamente, ao som da batida monótona do velho motor do batelão.
Bate assim o coração do rio. O tio ia à atrás, manejando o longo cabo que orientava o barco naquele caminho corrente, a desviar dos balseiros que se avizinhavam. Era perigoso, se o barco batesse em algum, podia virar. Os peixes pululavam aqui e ali. E um saltou dentro do barco, bem perto dela. - Cuidado, é um peixe cachorra, se te pega o dedo!… Tinha uns dentes compridos e finos. Arrepiou-se ao pensar na mordida daquilo. Já tinha levado uma mordida de candirú e não era nada agradável. O tio prendeu o cabo com uma corda fina e foi até lá, pegou o peixe, jogou de volta à água e retornou ao motor… Ia para a casa da avó, passar as férias da escola. O coração cheio daquilo que via, barrancos e árvores que acenavam à sua passagem e aquele rio de águas confusas e seus remoinhos. Tremia de frio. À noite é mais. Esperava não ter que dormir numa rede. – Vam’bora neguinha, tamo chegando!... Fez uma curva grande e aproximou o batelão da margem. Olhou para cima e viu os irmãos descalços a deslizar o barranco abaixo, para ajudar com as mercadorias que o tio trazia. Sorriu.
A casa da avó, duas vezes a casa da mãe. Esperou o tio espetar o cabo de ferro com a corda do barco à margem, pegou na mão estendida e saltou para a terra, com uma sacola na mão. Subiu o barranco com dificuldade, correu para a escada saltando os degraus com pressa. De um pulo, pendurou-se na grande balança que havia na parede da sala. Não entendia nada daqueles ponteiros, era só para vê-los mexer. Foi para o quarto da avó, tomou-lhe a bênção e deu-lhe um beijo no rosto e na mão.
- Deus te dê saúde.. Fez boa viagem?
- Sim… Largou a sacola do lado da cama.
- E tua mãe e teu pai, tão bem?
- Sim, tão tudo bem…
Foi até a cozinha. Subiu num banquinho, para poder olhar pelo jirau. Em baixo, o pé de limas e os pupuaçus. Atrás, a floresta toda a balançar.
Obrigada.